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Impacto econômico da taxa de natalidade, e da taxa de desmama na produção de bovinos de corte – Por Oscar Tupy

Introdução

A produção de bovinos de corte no Brasil é explorada em diferentes modalidades e fases, que podem ser classificadas segundo o Anualpec (2014) em: Cria extensiva, semi-intensiva e intensiva, recria/engorda extensiva, cria/recria/engorda extensiva, recria/engorda semi-intensiva, cria/recria/engorda semi-intensiva, cria/recria/engorda intensiva, recria/engorda intensiva e confinamento.

Os principais indicadores técnicos e econômicos que caracterizam cada fase constam, também, do Anualpec (2014). No Quadro 1 podem ser visualizados os principais produtos de cada modalidade e fase de criação.

Quadro 1- Modalidades e fases de criação de bovinos no Brasil.

Em todas as modalidades e fases utiliza-se, sal mineral, sal proteinado, calcário e fertilizantes, em níveis crescentes, sendo que nas modalidades semi-intensiva e intensiva utiliza-se, também, concentrados.

As taxas de lotação (Tabela 1) abaixo são o resultado do uso maior ou menor destes insumos. Contudo, tais taxas de lotação, para as várias modalidades e fases são discutíveis.

Tabela 1 – Taxa de lotação por modalidade de criação e fase.

Outros indicadores importantes, também são apresentados nas Tabelas 2 e 3 a seguir. São eles, taxa de desmama (TD) e kg de peso vivo/hectare/ano (KPV/ha).

Tabela 2 – Taxa de desmama por modalidade de criação e fase de criação.

Tabela 3 – kg de peso vivo produzido por hectare/ano por modalidade e fase de criação.

Observa-se, também, para estes indicadores uma evolução à medida que se intensifica a produção. Cabe salientar que em todas as modalidades e fases a raça dos animais foi a Nelore.

Os indicadores publicados acima não representam os sistemas modais no Brasil, uma vez que no Anualpec (2014) foram publicados alguns indicadores por regiões, que aparentemente, devem ser modais. Nas Tabelas 4, 5, 6 e 7 pode-se, observar os indicadores de desempenho médio destes sistemas modais.

As regiões são caracterizadas pelos estados do RS, PR, MS, MT, SP, MG, GO, TO, PA, RO e BA. Os animais são zebuínos e mestiços, provavelmente, cruzas Nelore com raças europeias. As pastagens são de Brachiarão em geral.

Tabela 4 – Desempenho dos sistemas modais de produção em função das modalidades de criação na fase de cria.

A Tabela 5, a seguir, é composta das tabelas anteriores, diferenciando-se apenas pela capacidade suporte e produção de arrobas por hectare. A capacidade suporte e a produção de arrobas por hectare são maiores na recria/engorda e na cria/recria/engorda a produção de arrobas por hectare é maior do que na fase de cria, o que já era esperado.

Tabela 5 – Desempenho dos sistemas modais de produção em função das modalidades de criação na fase de cria/recria/engorda.

Uma simulação apresentada na Tabela 6, pressupondo-se três cenários para taxas de natalidade, um cenário pessimista (P), um cenário mais provável (M) e um cenário otimista (O) chama a atenção, para o reduzido número de animais desmamados.

Levando em conta as taxas de desmama da Tabela 4, na modalidade extensiva, o máximo de bezerros (as) desmamados (as) por 100 vacas no rebanho no cenário otimista foi de 50 animais. Nas modalidades semi-intensiva e intensiva o máximo de bezerros (as) desmamados (as) foi, respectivamente, de 56 e 63 animais por 100 vacas no rebanho, no cenário otimista.

As taxas de desmama apresentadas na Tabela 4 são muito baixas e em sua maior parte podem ser explicadas por deficiências nutricionais de vacas e crias, decorrentes da produção deficiente de matéria seca das pastagens, afetando a taxa de prenhes das fêmeas e consequentemente a taxa de natalidade. A má nutrição das vacas durante a gestação produz crias mais susceptíveis a doenças e com menor potencial de desenvolvimento.

Tabela 6 – Número de bezerros desmamados por 100 vacas no rebanho.

Com relação às taxas de natalidade, Zimmer & Euclides Filho (1997), analisaram dados de bovinos Nelore relatando uma taxa de natalidade média de 60% e uma taxa de desmama de 54% para o Brasil. Posteriormente, Vieira et al.(2006) conseguiram em sistemas de produção intensivo com elevado nível de adubação e consequente maior oferta de matéria seca das pastagens, taxas de natalidade de 81,7% e taxa de desmama de 77,2%, com estação de monta de 90 dias (nov-jan).

Material e Métodos

Para avaliar o impacto econômico das taxas de natalidade e desmama, empregou-se neste trabalho, um modelo de simulação de sistema de produção desenvolvido por Tupy et al. (2005). As taxas de natalidade e de desmama analisadas foram definidas com base no trabalho de Zimmer & Euclides Filho (1997) e Vieira et al.(2006) e variaram de 70 a 90%.

O modelo simula um sistema de produção tradicional que produz bezerros desmamados para o mercado e um sistema de produção intensivo com elevada taxa de lotação por hectare para vacas, bezerros até a desmama e touros.

A área de pastagens considerada foi de 500 hectares, com taxa de lotação de 1,20 UA/ha, utilizando apenas 250 kg de calcário/ano/hectare para o sistema tradicional e de 10,58 UA/ha utilizando 0,4 tonelada de ureia, 1,0 tonelada de adubo formulado 20-5-20 e 2,0 toneladas de calcário.

As vacas e touros receberam respectivamente, 11,5 e 14,3 kg de silagem de milho por dia na matéria original, com 35% de matéria seca, respectivamente, 4 e 5 kg de matéria seca/dia por 214 dias mais a pastagem residual, existente no período. Os bezerros (as) pós-desmama foram confinados e abatidos com 15,95 arrobas em média para machos e fêmeas. O sistema adquire as fêmeas de reposição no mercado, quando necessário.

Resultados e discussão

A Tabela 7 apresenta os resultados das simulações para o sistema tradicional evidenciando a estrutura do rebanho em função das taxas de natalidade e de desmama e o lucro/hectare/ano do sistema.

Tabela 7 – Estrutura do rebanho do sistema tradicional

Conforme se observa na segunda e quarta colunas da Tabela 7 obter taxa de natalidade, maior do que, taxa de desmama não é economicamente viável. Além disso, taxas de natalidade menores requerem mais vacas no rebanho para desmamar o mesmo número de bezerros. Assim, o produtor deve procurar trabalhar com taxas de natalidade e de desmama no mínimo equivalentes ou com uma taxa de desmama maior, para compensar a menor taxa de natalidade.

A diferença no lucro/ha/ano de uma propriedade que obtém taxa de natalidade de 70% e de desmama também de 70% de outra que obtém taxa de natalidade de 90% e uma taxa de desmama de 90% é significativa, podendo alcançar R$50,47 /hectare/ano e em 500 hectares o valor de R$ 25.235,00.

Contudo, taxas de natalidade e de desmama acima de 70% nas condições de baixa produção de matéria-seca das pastagens, com taxas de lotação de 1,2 UA/hectare dificilmente ocorrerão. Uma propriedade com taxa de lotação de 1,20 UA/hectare submete os animais à restrição alimentar, implicando em taxas de natalidade e de desmama baixas.

A eficiência reprodutiva das vacas fica comprometida e a vitalidade dos bezerros do nascimento a desmama também, podendo favorecer a instalação de doenças nos animais, como dito acima.

Por outro lado, o investimento em adubação de pastagens e suplementação de vacas de cria no período seco com volumosos como cana + ureia ou silagem de milho ou sorgo poderão viabilizar melhores taxas de natalidade e de desmama.

Contudo, esta suplementação não será viável economicamente para a atividade tradicional de cria a pasto. Para tanto,

o produtor de bezerros poderá confinar os seus animais logo na desmama com acabamento dos 12 a 13 meses de idade, obtendo média de peso variando de 15 a 16 arrobas, para machos e fêmeas, principalmente de animais cruzados, como por exemplo, angus-nelore.

A utilização do creepfeeding no sistema tradicional pode ser útil para assegurar melhores taxas de desmama, contudo, se o sistema sem creepfeeding apresentar taxas de desmama acima de 80%, mesmo com taxa de natalidade de 70% o resultado econômico com o creepfeeding é inferior como mostra a Tabela 8 a seguir.

Tabela 8 – Impacto econômico das taxas de natalidade e desmama do sistema tradicional com creepfeeding

As taxas de desmama de equilíbrio para o sistema tradicional, ou seja, as taxas de desmama que igualam a receita total do sistema aos custos + despesas totais, em função das taxas de natalidade, constam da Tabela 9 a seguir.

Tabela 9 – Taxas de desmama de equilíbrio em função das taxas de natalidade do rebanho no sistema tradicional de cria de bezerros

A simulação de um sistema com elevado nível de adubação de pastagem visando elevada produção de matéria seca no verão e elevada taxa de lotação para vacas, suplementadas com silagem de milho no inverno mostrou-se economicamente viável. Contudo, esta hipótese deve ser testada experimentalmente, no que diz respeito a alimentação de vacas, já que os resultados do confinamento foram testados experimentalmente na Embrapa Pecuária Sudeste.

No passado, dado o preço baixo da arroba do boi, não foi considerado, nem manter elevadas taxas de lotação de vacas por hectare (VIEIRA ET AL. 2005) e nem suplementá-las no inverno, contudo os preços atuais são motivadores.

Os impactos econômicos das taxas de natalidade e de desmama nesta simulação são apresentados na Tabela 10 e comparados com o lucro liquido obtido em função das taxas para o sistema tradicional, apresentados na Tabela 8. O creepfeeding foi considerado computando-se em decorrência do mesmo 1,5 arrobas a mais ao abate dos animais.

Tabela 10 – Impacto econômico das taxas de natalidade e desmama do sistema intensivo

Na Tabela 10, o que chama atenção em primeiro lugar é que o creepfeeding não é viável para taxas de natalidade abaixo de 90%, mesmo com taxa de desmama com 90%. O sistema sem creepfeeding apresenta melhores resultados para taxas de natalidade acima de 80%. Para o sistema intensivo só é viável comparativamente ao sistema tradicional com taxas de natalidade e desmama a partir de 90%. Se o produtor investe pesadamente em adubação de pastagens, suplementação de vacas na época seca com silagem de milho necessita ser eficiente, tanto na produção de forragem, como na reprodução e cria dos animais.

Neste caso do sistema intensivo a eficiência na produção de silagem de milho também é essencial, mínimo de 18,3 toneladas de matéria seca por hectare, com 35% de matéria seca na matéria original. Considerou-se também a implantação de lavoura na área do milho após colheita para ensilagem. No caso empregou-se o milho safrinha com o lucro líquido de R$760,00/hectare (ANUALPEC, 2104).
Considerações finais

A pecuária bovina de corte para ter sucesso deve ser conduzida de forma empresarial obtendo elevados níveis de produtividade, na produção de forragens e de animais, elevadas produções de matéria seca por hectare e elevadas taxas de natalidade e desmama. Quanto mais intensivo o sistema de produção, mais exigente ele será, com relação à eficiência e a produtividade.

Referências

ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA, ANUALPEC, 2014. Informa Economics
|FNP. São Paulo, SP.

TUPY, O. Modelo para simulação do impacto econômico e financeiro das decisões de investimentos em tecnologias para sustentabilidade da pecuária de corte brasileira. In: 50º Congresso da Sociedade brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2012, Vitória. Anais..Vitória, 2012.

VIEIRA, A., LOBATO, J.F.P., CORREA, E. S., JUNIOR, R.A.A.T., CEZAR, I.M.
Produtividade e Eficiência de vacas nelore em pastagens de Brachiaria decumbens Stapf nos cerrados do Brasil Central. Revista Brasileira de Zootecnia.,v.34,n.4,p.1357- 1365,2005.
ZIMMER, A.H., EUCLIDES FILHO, K. As pastagens e a pecuária de corte brasileira. In: Simpósio Internacional sobre produção animal em pastejo, 1997, Viçosa. Anais.. Viçosa: UFV, 1997, p.349-379.

Por Oscar Tupy, pesquisador da Embrapa.

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