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Fêmeas zebuínas tem sua fertilidade afetada pelo manejo de curral ou são resistentes ao estresse?

Interessantemente, doadoras que receberam mais estímulo de voz, sofreram mais acidentes e foram manejadas por mais tempo ficaram estressadas, expressando uma elevada concentração de cortisol. Essas fêmeas estressadas tiveram uma redução de 19% na viabilidade embrionária comparado com as doadoras não estressadas.

Por Gustavo Guerino Macedo, pós-doutor VRA/FMVZ*

A pergunta do título deste artigo é intrigante. Muito se ouve em fazendas por diversos locais do Brasil que animais zebuínos são mais reativos por natureza e, portanto não tem sua reprodução afetada pelo contato íntimo no manejo de curral. Porém, até que ponto isso é verdade? Se não é, quanto de perda de fertilidade o animal tem com um manejo mais aversivo? Como medir isso de forma científica e apresentar uma recomendação técnica pautada em dados para o produtor rural?

Para buscar respostas a essas perguntas, é necessário entendermos inicialmente alguns pontos. Conceitos de bem-estar, interação homem-animal e estresse são importantes neste contexto. O fornecimento de comida e cuidados sanitários básicos aos animais proporcionam apenas parciais condições de bem-estar requeridas pelos bovinos. O bem-estar pode ser comprometido pela ausência de sombra, alta densidade populacional, confrontos hierárquicos, manejo de curral assim como diversas outras condições.

Mas por definição, o que é estresse? Estresse é a inabilidade de um animal em ajustar-se ao ambiente, havendo uma falha para expressar seu potencial genético seja ele taxa de crescimento, produção de leite, resistência às doenças ou fertilidade. O estresse pode ser psicológico (p.e. novidade, medo e frustração) ou físico (restrição, manejo, fome, sede, fadiga, injúria e exposição a temperaturas extremas). Uma gama de estressores psicológicos e físicos como gritos, batidas, cutucões, chutes e choque elétrico são usados na prática bovina para levar o animal a transitar pelos diversos compartimentos do curral. Esses estímulos assustam os animais e tornam-nos mais reativos a entrarem pelos diversos compartimentos. A interação homem-animal é o fator chave para modular o estresse psicológico e físico na produção animal. Se o manejo aversivo pode diminuir a produtividade, qualidade do produto e consequentemente lucratividade, deve receber atenção frequente do produtor ou técnico responsável.

Dito isto, vamos entender sobre como o estresse pode afetar a reprodução. Geralmente, o organismo reage ao estresse liberando o hormônio adreno-corticotrófico (ACTH) e posteriormente cortisol pelo córtex da adrenal. Em níveis elevados, o cortisol suprime a resposta da hipófise ao hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e consequentemente queda do hormônio luteinizante (LH), conduzindo a uma redução da atividade gonadal. Desta forma, uma redução na freqüência dos pulsos de LH na fase luteal pode levar a atresia folicular. Se a supressão da liberação de LH ocorre durante a fase folicular, há um atraso no pico pré-ovulatório de LH interferindo no evento ovulatório, comprometendo a qualidade do oócito, caso seja ovulado, e/ou do embrião.

Determinados processos dentro da produção animal, como manejos reprodutivos, requerem um contato constante com os animais. Se durante os trabalhos no curral os animais sofrerem uma interação homem-animal negativa, haverá prejuízos à homeostase (estresse) e ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal com paralisação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, diminuindo, assim, a fertilidade dos animais. Desse modo, é necessário um melhor entendimento de como este processo gonadal e neuroendócrino se desenvolve, visando melhorar a eficiência reprodutiva.

Neste sentido, Macedo et al. (2011) realizaram um estudo para avaliar o efeito do manejo no estresse e na fertilidade de doadoras de embriões Nelore em programa de transferência de embriões. As doadoras (31 fêmeas Nelore) foram submetidas a um programa de superovulação (SOV) com a inserção de um dispositivo intravaginal de progesterona no D0 (dia zero). No D4 iniciou-se a aplicação de FSH suíno por quatro dias consecutivos (250 – 150 mg), em duas doses diárias, com intervalo de 12 horas. No D6 as fêmeas receberam D-cloprostenol i.m. (0.15 mg). No D7 foi retirado o implante e no D8 pela manhã 0.01 mg de acetato de buserelina, com IA no D8 a tarde e D9 pela manhã. No sexto dia após a última Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) realizou-se a colheita dos embriões, sendo os embriões avaliados e classificados quanto a qualidade embrionária, conforme a International Embryo Transfer Society (IETS – 1999). Para obtenção da taxa de viabilidade (TxV) dividiu-se o total de embriões viáveis pelo total de embriões colhidos.

Durante o manejo de aplicação hormonal da SOV registrou-se a interação homem-animal no curral por observação comportamental direta, além de registros com câmara de vídeo. Estímulos humanos foram registrados, como: assustar o animal, bater, cutucar, chutar, torcer cauda, bater o portão ou chutar o animal. As respostas dos animais analisadas foram: fugir, empacar, debater-se, dar coice, vocalizar, deitar-se, saltar. Também foram analisados acidentes.

Foram recuperados um total de 307 embriões, com uma média por vaca (±EPM) de 10,1±1,2 e taxa de viabilidade de 64%. A idade do animal foi correlacionada negativamente com: tempo de manejo, incidência de respostas comportamentais, emissão de voz pelos vaqueiros e acidentes. Os comandos de voz foram correlacionados positivamente com: estímulos negativos por parte dos vaqueiros, comportamentos aversivos pelos animais, tempo de manejo e acidentes. Os acidentes foram correlacionados positivamente com o tempo total de manejo no curral e estímulos negativos dos vaqueiros; ou seja, aumenta o número de acidentes conforme os estímulos negativos.

Pelo modelo estatístico em uma análise chamada “Análise de Componentes Principais”, foi observada duas populações de animais: aqueles com alta concentração de cortisol (chamados estressados), e aqueles com baixa concentração de cortisol (chamados não estressados). Comparando-se esses dois grupos, ficou evidente que os animais estressados receberam maior frequência de estímulos de voz (gritos pelos vaqueiros), assim como sofreram mais acidentes e permaneceram mais tempo sendo manejados que o grupo não estressado (Figura 1). Como resultado a taxa de viabilidade embrionária foi menor no grupo estressado (58%) do que nos animais não estressados (71%; Figura 2).

Figura 1. Média (±EPM) do estímulo de voz pelo vaqueiro; acidentes nas doadoras (eixo esquerdo); tempo gasto para manejar os animais no curral (Htime; eixo da direita) em um protocolo de SOV com doadoras de embrião Nelore estressadas e não estressadas (Adaptado de Macedo et al., 2011).

Figura 2. A – Concentração de cortisol e B – Viabilidade embrionária de vacas Nelore doadoras de embriões estressadas e não estressadas durante o protocolo de superovulação (Adaptado de Macedo et al., 2011).

Interessantemente, doadoras que receberam mais estímulo de voz, sofreram mais acidentes e foram manejadas por mais tempo ficaram estressadas, expressando uma elevada concentração de cortisol. Essas fêmeas estressadas tiveram uma redução de 19% na viabilidade embrionária comparado com as doadoras não estressadas. Essa redução deve ser levada em consideração uma fez que causa um forte impacto negativo na lucratividade do programa. Além do que, o manejo “pesado” ou muito aversivo afeta não somente a reprodução, mas a saúde do animal suprimindo o sistema imunológico.

O efeito negativo do estresse na performance reprodutiva de animais de produção está associado à concentração de cortisol. Vacas com estresse crônico (laminite) tem menor taxa de ovulação, tempo e intensidade de comportamento de estro e apresentam-se mais saudáveis (Walker et al. 2010). O cortisol, como citado, inibe a resposta da hipófise ao GnRH, interferindo na liberação de LH, maturação final do folículo dominante e ovulação. Consequentemente, reduz a produção de estradiol, comportamento de estro e ovulação. Por exemplo, Edwards et al. (1987), submeteram novilhas em procedimento de SOV a um estresse por transporte e observaram um aumento da concentração de cortisol e a diminuição do número de corpos lúteos após a ovulação. Ou seja, ovularam menos. Isso é problemático, uma vez que em programas de SOV em Nelore, a produção de corpos lúteos está correlacionada com a viabilidade embrionária (Peixoto et al. 2002).

Desta maneira, o estudo apresentado possui achados interessantes e únicos para zebu. Primeiro, animais mais velhos tem melhor resposta aos procedimentos de manejo; além do que, os gritos dos vaqueiros são diretamente correlacionados com acidentes no curral, o que pode ser perigoso para a integridade e saúde das fêmeas. Segundo, vacas recebendo um manejo mais ‘pesado’ respondem com uma maior concentração de cortisol e menor viabilidade embrionária. Essa informação científica sobre gado zebu em condições tropicais dá suporte aos produtores e técnicos a melhorar seus procedimentos de manejo, evitando o estresse e consequentemente aumentando a eficiência reprodutiva. Uma revisão recente, Macedo et al. (2012), foi publicada sobre o tema e vale a pena ser conferida

A transferência de genes para gerações posteriores é extremamente relevante, mas todas as espécies podem suspender as atividades reprodutivas se a situação se torna desfavorável (von Borell et al., 2007). Desta forma, um bem-estar deficitário, causando estresse, pode interferir negativamente na eficiência reprodutiva de bovinos, por meio de uma supressão, via cortisol, do eixo hipotálamo-hipófise-gônada (HHG), retardando a liberação de estradiol e diminuindo a frequência dos pulsos de GnRH e LH. Isso mostra o quanto o processo reprodutivo é sensível a interferências do meio, e também o quanto se deve dar atenção a tal procedimento, principalmente em momentos chave como na fase folicular, pré-ovulatória e pós-ovulatória.

*Gustavo Guerino Macedo, Pós-Doutor, VRA/FMVZ, Universidade de São Paulo

Referências

Edwards, L.M., Rahe, C.H. and Griffin, J.L., 1987. Effect of transportation stress on ovarian function in superovulated Hereford heifers, Theriogenology, 28, 291–299.

Macedo, G.G., Zúccari, C.E.S.N.; Costa e Silva, E.V, 2012. Efeito do estresse na eficiência reprodutiva de fêmeas bovinas, Revista Brasileira de Reprodução Animal, v.36, p.10-17.

Peixoto, M.G.C.D., Fonseca, C.G., Penna, V.M. and Alvim, M.T.T., 2002. Análise multivariada de resultados da ovulação múltipla seguida de transferência de embriões de doadoras zebuínas, Brazilian Journal of Veterinary and Animal Science, 54, 492–500.

Walker, S.L., Smith, R.F., Jones, D.N., Routly, J.E., Morris, M.J. and Dobson, H., 2010. The effect of a chronic stressor, lameness, on detailed sexual behavior and hormonal profiles in milk and plasma of dairy cattle, Reproduction in Domestic Animals, 45, 109-117.

2 Comments

  1. Marco Antonio Magalhães disse:

    Extremamente elucidativo. Parabéns pela matéria. Cada dia que passa, mais fica patente, que gado “bem tratado” sem gritos ou castigos corporais, dá uma melhor resposta quanto ao seu desempenho. Portanto patrões, olhos e ouvidos vivos no curral.

  2. Aldrey Nunes Dourado disse:

    Ótimo Trabalho Gustavo…

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