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Entendendo as diferenças dos cortes de carne bovina nos EUA e Brasil

Introdução

O Brasil hoje possui cerca de 200 milhões de cabeça de gado, aparecendo no cenário mundial como o maior exportador de carnes bovinas, exportando para mais de 100 países, com todo esse potencial é necessário uma maior organização com enfoque no mercado externo. A base desse sucesso consiste no baixo custo de produção, porém a cada dia esse custo vêm aumentando devido ao acréscimo de imposições feitas pelos países importadores, principalmente países da União Européia, os quais são os nossos maiores fregueses. A percepção pública de como os alimentos são produzidos, recentemente começou a ter um peso muito forte em algumas decisões políticas, o que diretamente afeta o produtor.

Inicialmente os países importadores estavam preocupados com a higiene e qualidade dos alimentos, mas atualmente outros fatores estão sendo adicionados neste cenário, dentre eles podemos citar: o bem estar animal, proteção ao meio ambiente (criação de gado na região amazônica) e a sustentabilidade do sistema. Cientistas, produtores e consumidores estão conscientes que o sistema de produção precisa ser balanceado com os recursos naturais disponíveis.

Consumidores de toda parte do mundo sabem o que eles querem quando vão as compras, um produto de qualidade. Em sua maioria, produtos agrícolas como verduras e frutas são comercializados de uma forma padronizada, pois são vendidos in natura, mas produtos de origem animal variam conforme o mercado. Neste artigo serão discutidas algumas diferenças entre os cortes de carnes bovinos dos Estados Unidos e do Brasil.

Desenvolvimento

A produção de carne bovina tem sofrido alterações no decorrer dos anos, reflexo da mudança no perfil do consumidor o qual passou a ser mais exigente, procurando por produtos seguros e com alto valor nutricional; outro fator é a competição com outras carnes, como suína e de aves, as quais são normalmente mais baratas e padronizadas, em parte em função de maiores investimentos na padronização quando comparado com o setor bovino (Embrapa Gado de Corte).

Cada país tem seu modo de produção, o qual é guiado pela exigência do mercado consumidor e características específicas de cada sistema produtivo, por exemplo, os cortes de carnes do Brasil são diferentes dos seus principais concorrentes exportadores, EUA e Austrália. Uma das razões desta diferença é o alto custo da mão de obra, nesses dois últimos países o que leva em uma maior utilização de maquinas e consequentemente cortes menos específicos. Frigoríficos brasileiros utilizam mais cortes manuais do que os americanos, processando menos carcaças por dia. Outra explicação são as diferentes colonizações (Inglesa x Portuguesa), o que reflete em diferentes maneiras de se preparar a carne.

A carcaça estando limpa e dividida ao meio inicia-se o processo de cortes. Nos EUA quartos dianteiro e traseiro são separados por um corte perpendicular a coluna vertebral entre a décima segunda e décima terceira costela (Figura 1), no Brasil essa divisão é feita entre a quinta e sexta costela (Figura 2). Havendo os quartos separados, no Brasil é usado corte mecânico somente para separar as costelas dos quartos e os demais cortes são todos feitos à mão, enquanto nos EUA os cortes são totalmente automatizados (Meats Cuts and Muscle Foods, 2000).

Figura 1. Divisão da carcaça americana

Figura 2. Divisão da carcaça brasileira

O quarto dianteiro ou “forequarter”, nos EUA é separado em “Chuck” e “Primal-rib” entre a quinta e sexta costela, estes são separados em “Brisket” e “Plate” respectivamente, através de um corte feito paralelo a coluna vertebral. O “Rib steak” (Figura 3) é dividido em “rib cuts” (Rib-eyes) compostos pelos músculos Spnalis dorsi e Longuissimus dorsi. O “Chuck” (Figura 4) é cortado em cortes paralelos a quinta costela, o “Arm steaks” é formado por cortes perpendiculares ao úmero, o “Shank” é feito com cortes perpendiculares aos ossos radio e ulna, o “Plate” pode ser cortado em cubos com pequenos ossos das costelas (The Meat Buyers Guide, 1992 e Atlas of Topographical Anatomy of the Domestic Animals, 1971).

No Brasil o dianteiro é todo desossado com cortes manuais, exceto quando separa a costela. Inicia-se com a retirada da paleta, desta extraímos a pá constituída pela escapula, úmero e músculos correspondentes os quais darão origem aos cortes: Raquete (Infraspinatus), Peixinho (Supraspinatus) e Coração da Paleta (Tríceps brachii), os músculos extensores e flexores são desossados dando origem ao Músculo do Dianteiro. Retirado a paleta temos no dianteiro; Pescoço, Acém (Trapezius, Rhomboideus e Serratus ventralis), Costela do Dianteiro e Peito. Em animais Bos indicus a parte superior dos músculos Trapezius e Romboideus pode ser separado dando origem ao corte Cupim (Carnes e Cortes, 1999 e Atlas of Topographical Anatomy of the Domestic Animals, 1971).

Figura 3. Rib steak


Fonte: Meats Cuts and Muscle Foods, 2000

Figura 4. Chuck


Fonte: Meats Cuts and Muscle Foods, 2000

O quarto traseiro ou “hindquarter” nos EUA é dividido em “Loin”, “Sirloin”, “Hip” e “Flank”, este é separado por um corte iniciado na parte anterior do Rectus femoris, ponto onde o Tensor da fascia lata está mais distendido tendo como fim a décima segunda costela, aproximadamente 20 cm do coluna vertebral. O “Round” é separado do “Rump” por um corte iniciado 1cm distal do Ischium terminando próximo à cabeça do fêmur. O “Rump” é separado do “Sirloin” por um corte entre a quarta e quinta vértebra sacral. O “Loin” é separado do “Sirloin” entre a quinta e sexta vértebra lombar. Os “Loin steaks” são cortados perpendicularmente a coluna vertebral, onde o corte mais anterior é chamado “Wing” ou “Club steaks”, tendo como conteúdo muscular o Longissimus dorsi, Em seguida tem o “T-bone steaks” que é incrementado por um novo músculo o Psoas major, os dois ou três últimos bifes são “Porterhouse steaks” (Figura 5) onde além dos dois últimos músculos citados é incluído o Psoas minor; quando retirado as vértebras se cria um novo corte chamado de “New-York Strip-Loin”. O “Sirloin” é dividido em quatro cortes perpendiculares ao Ilium (1- Pin bone, 2- Flat bone ou Double bone, 3- Round bone e 4-Wedge bone (Figura 6)). O “Rump” (Figura 7) pode ser usado com os ossos ou sem (“Boneless Rump”). O “Hidlimp” (Figura 8) pode ser cortado com um corte completo, perpendicular ao fêmur, englobando todos os músculos ou ser feitos cortes paralelos criando o “Inside” ou “Top Round” (Semimenbranosus and Adductor) e o “Outside” ou “Bottom Round” (Semitendinosus e Bíceps femoris), algumas vezes o Semitendinosus é removido formando o “Eye of The Round” (The Meat Buyers Guide, 1992 e Atlas of Topographical Anatomy of the Domestic Animals, 1971).

Figura 5. Porterhouse steak

Figura 6. Wedge bone

Figura 7. Rump


Fonte: Meats Cuts and Muscle Foods, 2000

Figura 8. Hidlimp


Fonte: Meats Cuts and Muscle Foods, 2000

O traseiro no Brasil é dividido em Lombo, Alcatra, Coxão e Ponta de Agulha, onde o único momento que se usa corte mecânico é na separação desse ultimo restando o Traseiro-Serrote. O Lombo é separado do Traseiro-Serrote na sexta costela até a face anterior do Illium, englobando todo o músculo Longissimus dorsi, do Lombo retira-se os ossos remanescendo o Contrafilé, este então é divido em Filé-de-Costela, que vai da sexta a décima costela, e Filé-de-Lombo, que vai da décima primeira ao início do Ilium, dos músculos surpeficiais do Filé-de-Costela (Trapezius e Rhomboideus) é removido a Capa-de-Filé, os músculos Psoas major, Psoas minor e Iliacus também são separados do Lombo formando o Filé Mignon. Bistecas são cortes formados por qualquer parte do Lombo enquanto o Tibone são bifes retirados apenas da parte lombar. Do traseiro especial é separada a Alcatra, onde é incluso os músculos Gluteus , Tensor da fascia lata e Biceps femoris (Picanha). A parte remanescente após a retirada da Alcatra é o Coxão, o qual é subtraído os demais cortes: Coxão-Duro (porção do Biceps femoris), Lagarto (Semitendinosus), Patinho (todo o grupo Quadriceps femoris, Rectus femoris, Vastus medialis, Vastus intermedius e Vastus lateralis), Músculo-Mole (Gastocnemius e músculos associados), Coxão-mole (Pectineus, Adductor, Semimenbranosus, Gracilis e Sartorius) e Músculo-Duro (extensores e flexores ao redor da tíbia). Ponta de agulha é a região remanescente composta pela costela do traseiro e vazio (flanco), o qual o músculo Obliquus abdominus internus recebe o nome de Fraldinha (Carnes e Cortes, 1999 e Atlas of Topographical Anatomy of the Domestic Animals, 1971).

Conclusão

Existem pessoas que defendem a unificação dos cortes de carne bovina, isso facilitaria o comércio internacional e simplificaria a comunicação entre exportadores e importadores, porém não se muda fácil uma tradição por traz de cada corte.

Como mencionado no texto, cada país posssui suas dificuldades em produzir, podendo isto tornar seu produto caro ou barato. Assim, nós brasileiros ao chegarmos nos EUA provavelmente não encontraremos facilmente nossa famosa picanha, mas se quisermos pagar caro, teremos quem a ofereça.

Referências
Atlas of Topographical Anatomy of the Domestic Animals, por Prof. Peter Popesko, 1971.

Carnes e Cortes. Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São Paulo-SEBRAE, 1999

Embrapa Gado de Corte-http://www.cnpgc.embrapa.br/publicacoes/doc/doc107/028.html; acessado 16/12/2009.
Meats Cuts and Muscle Foods, editora Nottingham, por Howard J Swatland, 2000, 1a edição.
The Meat Buyers Guide, pela National Association of Meat Purveyors, 1992, 3a edição.

28 Comments

  1. Wladimir Lênin Pedroso Moraes disse:

    Muito bom. Excelente artigo.
    Parabéns!

  2. Álvaro belotto Júnior disse:

    Parabens !!

  3. marcello fernandes carrijo disse:

    Muito bom mesmo. Parabéns pelo artigo!

  4. Germano Augusto de Oliveira disse:

    Parabéns pelo artigo!!

  5. Júlio César de Cerqueira Fidelix disse:

    Gostei muito!
    Bastante intuitivo.

  6. José Carlos Pinto disse:

    Excelente artigo. Quanto a nossa famosa picanha, uma vez estava em Fort Worth, Texas e um conhecido nosso era acogueiro, ele disse que se nos conseguissemos um mapa de corte de boi no Brasil, com certeza ele nos forneceria a nossa famosa picanha.
    Abs.

  7. Francisco Renato Cardoso da Silva disse:

    Otimo artigo, Parabéns!!!

  8. Fábio Machado disse:

    Muito interessante, parabéns!

  9. Felipe George de Oliveira de Lima disse:

    Interessante, Abraços. Sucesso à todos.

  10. Hugo Peron disse:

    Parabéns Excelente artigo.

  11. JULIANO CEZAR disse:

    Muito bom e relevante este artigo.
    Não participo do ramo de carnes, porém estou fazendo um estudo sobre o mercado internacional de carne e suas diferenças. Meu foco é sobre o corte e este link me forneceu todas informações necessárias para iniciar meu trabalho.
    Parabéns e com certeza os autores serão mencionados.

  12. Gustavo Cruz disse:

    Muito Obrigado Juliano Cezar,
    Caso precise de mais alguma informacao que nao discutimos no texto, por favor fique a vontade de nos escrever.
    abs e boa sorte no seu trabalho

  13. Adriano Branquinho disse:

    Parabéns pelo artigo! Uma boa aula pra quem gosta de carne e seus vários tipos de corte e aproveitamento.
    O hidlimp, então, e formado pelos colchões, lagarto e patinho?
    Abraço e sucesso,
    Adriano.

  14. Valeria Porto disse:

    Importante artigo para aqueles como eu, que mora nos EUA, e tambem para aqueles que gostam de saber. Obrigada pelo artigo…com certeza levou tempo a pesquisa, escrever…
    Valeria

  15. Felipe Amadio disse:

    Ótima explanação acerca das diferenças de cortes!!!

  16. Juliana Chini disse:

    Esse artigo é exatamente o que eu estava precisando! Artigo muito bem redigido, parabéns!

  17. DANIELA STOCKMANN disse:

    Adorei. Ótimo artigo.

  18. nilson ney kastrup disse:

    Gostei do artigo, mas gostaria de saber onde e como posso encontrar a nossa famosa picanha, que como voce disse tem que pagar caro mas tem quem ofereca.
    Abracos
    NNKastrup

  19. Leonardo Freitas disse:

    Parabéns! Muito bom.

  20. Arminia D. S. Barbosa disse:

    Parabéns pela matéria muito elucidativa. Somente para complementar, o Traseiro-Serrote também é chamado popularmente de Traseiro-Pistola, devido ao seu formato lembrar a referida arma de fogo. A parte remanescente após a retirada do Alcatra é conhecida popularmente como Traseiro-Bola, ou “Round-Cut”, muito comercializado em países árabes e também na Rússia.

  21. Roberto Mesquita disse:

    Ótimo artigo. Quanto ao veal (vitelo), os cortes são os mesmos?

  22. Alexandre Leonardo disse:

    Parabéns pelas informações dadas aqui. Estou querendo fazer um steak em casa, parecido com o servido nos EUA, mas os cortes deles são bem diferentes do Brasil. Qual corte no Brasil posso comparar com o Sirloin, Alcatra?
    Obrigado e mais uma vez parabéns pelos posts.

  23. Edson José Gois Ortiz disse:

    Moro nos EUA, e nesta região da Florida não se tem dificuldade nenhuma para se comprar a picanha. Existem mercados latinos e brasileiros que oferecem o produto tanto produzido na Austrália, como o Americano e com preços que não são tão caros como diz a matéria. A picanha aqui custa em torno de 3.99 a libra.

  24. Anna Lucia Vaz Josephs disse:

    Artigo erudito, esclarecedor, uma verdadeira licao de anatomia bovina, mas continuo com a duvida sobre patinho. Segundo o diagrama esse corte faz parte da coxa, mas nao inclui a coxa inteira. Alguem sabe como traduzi-lo?

  25. fernando fernandes de souza disse:

    Anna Lucia na verdade nos, o animal tem dois tipo de patinho comercial, um e o patinho bola porem se localiza na parte frontal, da coxa do animal, e o outro na parte da paleta o braço do animal.

  26. Marcelo Pereira disse:

    Então pelo que eu entendi, eu acho que consigo obter o ribeye (tipicamente americano) de um pedaço de contrafilé brasileiro. É correta a minha afirmação?

  27. Gefet Diniz disse:

    Eu moro na Florida e aqui uma boa picanha encontramos entre US$ 4.99 a 5. 99 a Libra(4.46 Kg) dependendo a cotação do dollar não é tão caro assim.

  28. Carlos Marques disse:

    O preço depende da qualidade e da raça. Uma libra (453,59237 gr) é mais ou menos 1/2 quilo o que dá 10 dólares em media, é barato (!) mas repito depende da qualidade. Na Europa encontra-se picanha desde os 4.5€ o Kg, o problema é que fala com a Picanha, a Picanha Brasileira, Argentina, etc, já custa 10€ em média. È como ter um mercedes e comparar com um carro chines. Mas quem tem fome come tudo!

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