E era só brincadeira de menina

Por Suzane G. Frutuoso

Chegamos quase juntas. Eu encostava o guarda-chuva e colocava a bolsa sobre a cadeira, no salão dos fundos do charmoso café em Pinheiros, São Paulo, escolhido para a entrevista, quando Priscila Quirós aparece com seu sorriso de menina e um abraço apertado.

Engatamos a conversa com a curiosidade dela sobre a ideia por trás de Mulheres Ágeis – e refletindo como mulheres que encaram a criação de um negócio precisam “provar” muito mais vezes do que homens sua capacidade. “Precisa de autoestima. Porque estamos em uma sociedade que coloca a mulher empreendedora para baixo”, diz. “Sabia que minha ideia era boa. Mas me chamaram de louca, a patricinha desocupada, apostando que em seis meses já teria abandonado tudo.”

Conheci Priscila há cerca de três anos, quando era editora de uma revista de gastronomia. Fiquei admirada, logo naquela ocasião, com a determinação, o foco e a maestria com os quais a jovem dominava um agronegócio.

À frente da fazenda Cabaña Oviedo, em Morungaba, interior paulista, estruturou uma criação de cordeiros que a tornou a principal produtora da carne desse animal no Brasil, além de fornecedora para restaurantes de alto padrão que contam com o cordeiro entre suas receitas estreladas. Um deles é o tradicional La Casserole, em São Paulo – onde nos encontramos a primeira vez.

Ela relembra, agora nessa manhã chuvosa, que assim que saiu da faculdade de administração recebeu um e-mail de um tio que vive na cidade de Quirós, na Espanha (origem do nome da família de Priscila) convidando todos os parentes para a festa de 100 anos da criação de cordeiros por lá. Era 2010. “Na mesma semana, li uma matéria no jornal dizendo que a produção da carne de cordeiro era um mercado em potencial. E que no Brasil existia demanda, mas pouca oferta”, afirma. “A maior parte do que consumíamos aqui era importado do Uruguai.”

Priscila passou a pesquisar o mercado com dedicação extrema. Ligou para profissionais e empresas que já estavam no segmento, conversou com zootecnistas. “Mas teve quem não acreditou que eu levaria o projeto realmente adiante”, diz. “Quando o negócio deu certo, ganhou fôlego, muitos se impressionaram. Não botavam fé.”

E foi debaixo dessas dúvidas que nasceu a Quirós Gourmet, hoje uma empresa de sete anos, que cresceu dez vezes em número de animais e toneladas de carne produzida por mês em relação ao começo. Priscila, de 29 anos, recebeu aporte de investidores e trouxe o irmão, Guto Quirós, para dirigir a parte operacional da empresa.

“A ideia é permanecer sustentável e artesanal, com respeito ao animal no momento do abate e sem agressividade, o que inclusive influencia no sabor da carne”, ressalta a empresária, que atualmente emprega 20 pessoas e comercializa também o azeite de oliva Quirós, produção da família na Espanha, além de sais temperados, geleias, molhos e pasta de mostarda.

Sensíveis e fortes – Percebo que o conjunto blusa branca, calça e camisa jeans da empreendedora são adornados por um colar de contas laranjas. Ela mexe bastante na peça. Até que me revela: “Era da minha tia Josefina, também minha madrinha”, diz com saudade na voz. Josefina, que morava no Chile, mas passou grande parte da infância de Priscila no Brasil, morreu de câncer em dezembro passado, aos 42 anos. Sempre lembrava à sobrinha: “Hoje é um presente, já diz o nome. Realize seus sonhos.”

Foi graças a acompanhar o talento de Josefina para receber, cozinhar bem e decorar mesas de almoços e jantares com beleza e simplicidade, que a jovem criou outro braço da empresa: PQ Home. Com oito meses, a proposta é reutilizar as madeiras de árvores já caídas da fazenda, transformando-as em tábuas para servir de diferentes estilos. “É uma maneira de servir diferente, com alma, como minha tia fazia. Nenhuma tábua é igual à outra e vêm com rachaduras, trincos naturais do tronco – e que também são encontrados na vida”, diz Priscila. PQ Home se tornará uma marca de decoração rústica.

“Minha tia, minha avó Leonor e minha mãe Silvia me inspiraram. Mulheres fortes sem deixar de ser sensíveis”, lembra. Leonor, professora, fez questão de encorajar a neta, insistindo para que nunca esquecesse o que ela tinha de único em si. Já a mãe, a jornalista Silvia, que é também presidente do LIDE Campinas (grupo de líderes empresariais), nunca deixou Priscila desistir, repetindo: “Você é uma desbravadora”.

O apoio e o exemplo que encontrou dentro de casa a ajudaram a saber se posicionar, negociar e não permitir que a menosprezassem. “Como mais de uma vez tentaram fazer, inclusive em reuniões de trabalho”, afirma. Mas Priscila Quirós já deixou claro onde pode chegar. É longe. “Não é só brincadeira de menina, não (risos). Sou menina para quem amo. À frente da empresa, sou isso mesmo, empresária.”

Para saber mais:

www.quirosgourmet.com.br
www.priscilaquiros.com.br

Fonte: www.mulheresageis.com.br.