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Botulismo dos ruminantes

Por Francisco Lobato1 e Ronnie A Assis2

Botulismo

O botulismo nos ruminantes é causado por neurotoxinas produzidas principalmente pelo Clostridium botulinum tipos C e D. Existem duas formas de apresentação do botulismo nos ruminantes domésticos; o endêmico e o esporádico.

Endêmico

No Brasil, tal modalidade de botulismo ocorre principalmente nos bovinos, e manifesta-se como doença endêmica em regiões geográficas com acentuada deficiência de fósforo. Os animais procuram suprir a falta deste mineral na alimentação mediante ingestão de ossos (osteofagia) ou cadáveres (sarcofagia).


Figura 1. Bovino apresentando hábito de osteofagia

Os esporos do C. Botulinum amplamente disseminados no solo e outros habitats, podem ser ingeridos pelos animais e eliminados junto com as fezes sem causar nenhum problema, entretanto quando esse animal morre por qualquer causa, sua carcaça em putrefação oferece condições de anaerobiose, temperatura, pH e nutrientes adequados para germinarem e produzirem toxinas que podem ser ingeridas pelos animais que tentam suprir deficiências minerais, constituindo este no principal fator na ocorrência do botulismo endêmico.

A ocorrência do botulismo associa-se também a fatores ambientais, manejo e estrutura da organização da produção pecuária. Mudanças ocorridas na pecuária se deram com a necessidade do Brasil afirmar-se como grande produtor de proteína animal.

A introdução de animais com melhor perfil genético para atender a demanda dos mercados interno e externo, fizeram com que o rústico boi nacional fosse substituído por animais mais precoces e mais produtivos. Para que estes animais pudessem expressar seu perfil genético foram necessárias novas práticas de manejo.

A interiorização da pecuária se dá pela necessidade de obtenção de grandes áreas de pastagens. As pastagens naturais foram progressivamente sendo substituídas por cultivadas, principalmente por gramíneas do gênero Brachiaria sp., que produz boa quantidade de massa verde, mesmo em solos pobres como o dos cerrados, porém fornecem baixos níveis de fósforo aos bovinos. Assim cria-se fatores determinantes do botulismo endêmico.

Observa-se principalmente que vacas em lactação e gestação são acometidas pela intoxicação, devido a maior necessidade nutricional e, que os casos relacionam-se aos períodos de maiores precipitações pluviométricas quando é maior a deficiência de fósforo nas pastagens e torna-se mais difícil a remoção das carcaças de animais mortos.

Por questões culturais e econômicas, a suplementação mineral não é prática 100% adotada nas propriedades, além de que a qualidade das misturas minerais quando utilizadas, nem sempre satisfazem os requisitos mínimos necessários. Assim, a presença de carcaças decompostas aumentando a contaminação do solo com esporos, aliado a deficiência mineral que leva a osteofagia, desencadeando o ciclo da doença.

Esporádico

O botulismo esporádico no Brasil ocorre na maioria dos casos em bovinos, porém podem também serem acometidos ovinos e caprinos. Tal forma da doença, está associada ao fornecimento de suplementos alimentares tais como cama de frango utilizada em rações ou incorporadas à pastagens e outras fontes suplementares como fenos, grãos e silagens de má qualidade.

As carcaças de aves e pequenos animais presentes nestes substratos, podem carrear esporos de C. Botulinum, que em condições de anaerobiose, pH, temperatura e umidade adequados germinam e produzem toxina que é fornecida aos animais juntos com a alimentação. Estas formas de intoxicações são responsáveis por grandes perdas econômicas, principalmente nos sistemas de criação intensiva, tanto para carne ou leite.

Outra forma de intoxicação se dá com a ingestão de toxina botulínica produzida em poças de água estagnada. Carcaças aí presentes e mesmo a matéria orgânica vegetal em decomposição criam condições para produção de toxinas e veiculação desta aos bovinos.

Sinais clínicos

A acetilcolina é o neurotransmissor responsável pelo desencadeamento de potenciais excitatórios na transmissão do impulso nervoso na musculatura esquelética. A ação das toxinas botulínicas, impedem a liberação de acetilcolina que se traduz por quadros de paresia e paralisia flácida dos músculos esqueléticos.

O período de incubação e o curso da doença são dependentes da quantidade de toxina ingerida, podendo ser de horas ou prolongar-se por duas ou três semanas. Os primeiros sinais observados são de dificuldade de locomoção, que se caracteriza por incoordenação motora dos membros posteriores (paralisia dos trens posteriores). Nesta fase o animal permanece deitado em decúbito esterno-abdominal, apresentado psiquismo normal.

Com a evolução do quadro o animal ao deitar o faz bruscamente e descontrolado. O ato de se levantar e caminhar é cada vez mais difícil mesmo quando forçado a isto, posteriormente, os animais não conseguem mais se levantar.

A progressão da paralisia flácida se faz no sentido cranial, até que se observa dificuldade respiratória, paralisia da língua que se exterioriza facilmente, não sendo novamente recolocada na cavidade bucal, pelo animal. O animal mantém normal as funções sensoriais e reflexos espontâneos.

A temperatura, batimentos cardíacos e movimentos respiratórios estão próximo da normalidade até que o animal entra em estado pré-agônico, onde permanece em decúbito lateral, a morte é precedida de coma, ocorrendo às vezes em decúbito esterno-abdominal, e é devida a uma paralisia respiratória.


Figura 2. Bovino apresentando dificuldade de locomoção

Achados de necropsia

As observações macroscópicas feitas durante a necropsia não são dignas de nota, devido a ação intracelular da toxina botulínica. Pode-se observar petéquias hemorrágicas no miocárdio decorrentes da agonia “antimorten”. A presença de fragmentos de ossos no rume e retículo sugerem deficiência mineral.

Diagnóstico

O diagnóstico do botulismo é confirmado pelos dados clínicos e epidemiológicos, identificação de toxinas e ou de esporos de C. Botulinum viáveis em espécimes clínicos ou na fonte de intoxicação. Para diagnóstico laboratorial, o material deverá ser colhido logo após a morte do animal ou mediante o sacrifício deste em estado pré-agônico. Isto se justifica pelo fato de que coletas realizadas tardiamente poderão conter toxinas produzidas após a morte do animal em função da germinação dos esporos no trato digestivo.

Para pesquisa de toxinas, recomenda-se coleta de no mínimo 250g de conteúdo intestinal, conteúdo rumenal e fragmentos de fígado, bem como 20 ml de soro sanguíneo, em frascos estéreis. O mesmo procedimento deverá ser feito para fontes suspeitas de intoxicação como cama de frango, silagens, água e outros. Os materiais deverão ser enviados congelados, o mais rápido possível ao laboratório acompanhado de informações completas sobre o histórico da doença.

A pesquisa de toxinas botulínicas é feita através de bioensaio em camundongos, empregando-se o teste de soroneutralização. O tipo de toxina presente é determinado pela sua neutralização com antitoxina homóloga.

Apesar de sensibilidade e especificidade altas do teste de soroneutralização em camundongos, nem sempre é possível detectar a presença de toxinas no material analisado, em função das baixas concentrações presente nos substratos analisados. Várias técnicas “in vitro” tem sido avaliadas visando a substituição do bioensaio em animais, principalmente em função do tempo decorrido para leitura final do teste e problemas éticos e estruturais na utilização de animais de laboratório.

Dentre estas destacam-se o teste de ELISA, a microfixação de complemento com aquecimento e a PCR. A microfixação de complemento e ELISA apresentam sensibilidade próxima à soroneutralização, entretanto apresentam menor especificidade. O PCR não detecta a toxina e sim os genes responsáveis pela sua produção, que podem estar sendo expressos ou não.

Diagnóstico diferencial

A sintomatologia clínica apresentada inicialmente no botulismo é semelhante à várias doenças infecciosas, metabólicas ou envenenamentos (Tab. 1)

Tabela 1 – Diagnóstico diferencial do botulismo nos ruminantes domésticos.


Tratamento

Não se faz com freqüência nenhum tratamento para reverter a ação das neurotoxinas botulínicas. O emprego de sorohiperimune seria eficiente antes da ligação da toxina aos receptores na placa nervosa, entretanto quando se suspeita da intoxicação, uma grande parte das toxinas ingeridas já se ligaram aos seus receptores, com apresentação de quadros clínicos avançados, diminuindo a eficiência da soro terapia.

Controle

O controle do botulismo, principalmente o endêmico, se dá principalmente com a correção da deficiência de fósforo, mediante a incorporação desse mineral nas pastagens e suplementação mineral aos animais. A primeira medida seria a mais eficiente, porém é um processo oneroso.

A suplementação de fósforo aos animais pode ser feita com o uso de misturas minerais contendo como fonte de fósforo a farinha de osso ou fosfato bicálcico desfluorado.

Deve-se empregar misturas minerais adequadas mantendo-as permanentemente à disposição dos animais. Esta conduta constitui a medida preventiva mais recomendada, pois além de prevenir o botulismo, proporciona aumento da produtividade dos animais.

Uma outra medida é eliminação das fontes de contaminação por meio da remoção de carcaças nas pastagens e conseqüente incineração das mesmas. Esta prática previne a multiplicação do agente nas carcaças com produção de toxinas e a contaminação do solo com esporos.

A vacinação com toxóides botulínicos dos tipos C e D, constitui-se em uma medida complementar para o controle da doença e em algumas situações, como nos sistemas de criação extensiva, no principal mecanismo de controle em decorrência da dificuldade de outras práticas pela grande extensão das propriedades. A vacinação deve ser feita anualmente, no final do período das secas. A primeira vacinação deve ser seguida por reforço 42 dias após.

O controle do botulismo esporádico é feito a partir da inspeção rigorosa dos suplementos alimentares fornecidos aos animais.

Quando os produtores faziam uso da cama de frango como suplemento alimentar, antes da portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) proibir seu uso na alimentação animal em razão da encefalopatia espongiforme bovina (BSE- “vaca louca”), critérios especiais, como remoção de cadáveres de aves e secagem eram negligenciados, levando ao aparecimento de surtos da doença.

Ainda em relação ao controle do botulismo esporádico, as silagens devem ser produzidas em condições de pH ácidos que impeçam a germinação dos esporos aí presentes e a conseqüente produção de toxinas. Fenos devem ser desidratados como indicado e armazenados de forma adequada, para também se evitar produção de toxinas. Aliadas à estas medidas, a vacinação empregada de forma estratégica principalmente em confinamentos onde se empregam suplementos alimentares com risco de conterem toxina botulínica.


Figura 3. Incineração de carcaça de bovino morto pelo botulismo

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1Francisco Lobato, Médico Veterinário, Mestre em Medicina Veterinária Preventiva, Doutor em Ciência Animal, Prof de Doenças Bacterianas do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária da UFMG (EV/UFMG)

2Ronnie A Assis, Médico Veterinário, Mestre em Medicina Veterinária Preventiva, Doutor em Ciência Animal EV/UFMG

1 Comment

  1. woldvan da silva kaufmann disse:

    Achei ótima a explicação sobre o botulismo. Pois estudo doenças causadas por falta de minerais em animas ruminantes.

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